Governança, por definição, diz respeito à forma como as decisões públicas são tomadas, implementadas e acompanhadas.
Em outras palavras, trata-se do conjunto de mecanismos de liderança, estratégia e controle utilizados para avaliar, direcionar e monitorar a gestão pública, com o objetivo de garantir políticas eficazes e serviços de qualidade para a sociedade. Envolve princípios como transparência, ética, equidade, prestação de contas, responsabilidade social e participação democrática, sendo essencial para assegurar que as políticas públicas sejam justas, eficazes e sustentáveis (Brasil, 2017).
No campo das políticas públicas de esporte, fazer uma boa governança significa organizar, coordenar, monitorar e garantir o cumprimento das ações dos diferentes entes e setores, assegurando que os recursos públicos sejam usados de modo eficiente e transparente, e que os resultados atendam às necessidades da população.
A LGE representa o novo marco regulatório da governança das políticas esportivas no Brasil. Ela normatiza os princípios fundamentais do esporte e os níveis da prática esportiva, estabelecendo a interação entre os entes públicos e privados, bem como o financiamento público do esporte. A norma também avança rumo a um novo Sistema Nacional do Esporte (Sinesp) – de caráter descentralizado, democrático e participativo – e indica as atribuições de cada ente federado, fator fundamental para a ação coordenada das políticas públicas de esporte entre os três níveis de governo.
A LGE dispõe também sobre outros temas de grande relevância para a democratização do acesso ao esporte, como: o Sistema Nacional de Informações e Indicadores Esportivos (SNIIE), essencial para a formulação de políticas públicas fundamentadas em dados; os fundos de esporte, que destinarão recursos financeiros ao financiamento das políticas públicas nas três esferas de governo; os planos de esporte, importantes para estabelecer uma estratégia de longo prazo e garantir a transferência de recursos dos fundos para os níveis subnacionais; a gestão democrática e participativa, enfatizada em diversos artigos da lei, em todas as etapas das políticas públicas, da formulação à avaliação; e a colaboração intersetorial, que contribuirá para aumentar o alcance do acesso da população ao esporte.
A seguir, apresentam-se medidas e objetivos da Agenda do Movimento Mais Esporte para contribuir para o fortalecimento da governança nesse campo, a fim de que ela seja efetivamente compreendida, aplicada e monitorada por todos os atores envolvidos.
Para superar as desigualdades no acesso ao esporte, inclusive as regionais, é fundamental a adoção de arranjos institucionais de políticas que possibilitem à gestão pública adotar, nos três níveis federativos, formas de coordenação e alinhamento das políticas a serem realizadas, bem como das formas de alcançá-las e executá-las. Por meio do Sistema Nacional do Esporte (Sinesp), à semelhança de outros sistemas nacionais de políticas públicas, devem ser definidos os parâmetros nacionais mínimos da política de esporte que devem ser executados localmente, por estados e municípios, a partir de instrumentos que promovam e induzam a cooperação federativa e intergovernamental, como a instituição de fóruns de negociação federativa – Comissões Tripartite e Bipartite de gestores de esporte – além de outros instrumentos, como os Fundos para repasse de recursos, e espaços institucionalizados e democráticos de participação e controle social (Francese, 2010; Bichir; Simoni Junior; Pereira, 2020).
Por isso, a implementação e efetivação do Sinesp podem ser consideradas os maiores desafios da área esportiva para os próximos anos, inclusive porque a participação dos estados e municípios no sistema não é compulsória – ela ocorre por adesão, o que pressupõe interesse político-administrativo das gestões, sugere a necessidade de grande articulação do setor para sensibilizar os tomadores de decisão e a criação e o aporte de incentivos claros e diretos, sejam financeiros ou de outra ordem, para que estados e municípios façam suas adesões ao Sinesp.
Apesar de as atribuições de cada ente federado estarem estabelecidas na LGE, é fundamental realizar uma articulação efetiva e cooperativa entre os três níveis de governo, evitando, assim, sobreposição de ações e lacunas políticas que dificultem e/ou impeçam a democratização da prática esportiva. O governo federal deve apoiar e induzir estados e municípios no estabelecimento de marcos legais, composição de conselhos, fundos e planos de esporte, de modo a garantir a adequada implementação do Sinesp.
Por último, ressalta-se a necessidade de realizar uma interlocução efetiva com as organizações que atuam na área esportiva, sejam elas de finalidade pública ou privada, a fim de estabelecer um pacto nacional para concretizar a implementação do Sinesp e fortalecer a democratização do acesso ao esporte.
A gestão participativa e o controle social são pilares fundamentais para a construção de políticas públicas democráticas, legítimas e eficazes. Esses mecanismos fortalecem a atuação conjunta entre Estado e sociedade civil, garantindo que as decisões sejam tomadas de maneira transparente, representativa e alinhada às necessidades reais dos territórios.
Ao ampliar os espaços de escuta e deliberação coletiva, como conselhos e conferências, a gestão pública passa a incorporar saberes diversos e experiências locais, promovendo a corresponsabilidade nas escolhas e nos resultados das políticas. O controle social, nesse contexto, é o exercício do direito da população de acompanhar, avaliar e influenciar as ações do poder público.
Promover a gestão participativa significa, portanto, criar condições institucionais para que a sociedade seja protagonista na formulação, implementação e monitoramento das políticas de esporte, fortalecendo a cultura democrática e o compromisso com o direito ao esporte para todas as pessoas. Nesse sentido, o fortalecimento de conselhos e conferências se apresenta como estratégia central para consolidar a governança colaborativa.
Por ser um arranjo voltado a enfrentar problemas complexos, a governança colaborativa traz consigo desafios importantes, como a necessidade de garantir capacidade institucional e técnica para sustentar a colaboração, a definição clara dos papéis dos diferentes atores para evitar assimetrias de poder, a responsabilização dos atores tomadores de decisão e a necessidade de mecanismos formais de monitoramento e avaliação que assegurem legitimidade ao processo (Voets et al., 2021). Reconhecer a centralidade da participação social e, ao mesmo tempo, suas limitações é essencial para que a gestão colaborativa não se restrinja a um ideal normativo e se torne uma prática efetiva e transformadora.
— CONSELHOS DE ESPORTE
Para garantir o caráter democrático e participativo do Sinesp, os entes federados devem rever (no caso de já existirem) e/ou determinar os mecanismos de participação e controle social nas políticas de esporte, bem como garantir que os órgãos colegiados, como os conselhos, tenham composição paritária entre governo e sociedade civil. Os conselhos, seja a nível federal, estadual ou municipal, devem garantir ampla representatividade da sociedade civil, cujos representantes devem ser eleitos, garantindo inclusive a participação daquelas organizações que atuam na formação esportiva e esporte para toda a vida. O papel realmente propositivo dos Conselhos deve ser retomado, visto que ultimamente não têm sido espaço de discussões, proposições e avanços por outras formas de políticas públicas.
Nesse sentido, deve ser criado o Cadastro Nacional de Organizações Esportivas, que servirá de instrumento essencial para identificar organizações que trabalham no setor esportivo em diferentes territórios e possam funcionar como representantes da sociedade civil nos órgãos colegiados.
— CONFERÊNCIAS DE ESPORTE
É preciso restabelecer as conferências de esporte como espaço democrático de debate e proposição de diretrizes para a formulação das políticas públicas para o setor, bem como tempo e espaço de fortalecimento da cultura participativa e de publicização das necessidades territoriais. As propostas que resultarem do debate devem apontar as demandas prioritárias para determinada comunidade e pautar a construção dos planos de esporte, nos diferentes níveis de governo, alinhados à política nacional. As conferências têm de abordar a intersetorialidade como elemento essencial ao desenvolvimento das políticas de esporte.
Para garantir o acesso universal ao esporte, é essencial que essas práticas estejam inseridas de maneira estruturada no conjunto de políticas públicas do país. Isso requer uma abordagem intersetorial robusta, que integre áreas como educação, saúde e bem-estar, mobilidade urbana, inclusão social, cultura, meio ambiente, lazer e turismo, e segurança e gestão pública, entre outras, reconhecendo o papel transversal do esporte no desenvolvimento humano e social.
A construção de uma transversalidade integradora passa pelo fortalecimento do diálogo entre gestores públicos, setor privado, organizações da sociedade civil e academia, com base em evidências e modelos técnicos que demonstrem os impactos positivos da prática esportiva. A Rede de Desenvolvimento do Esporte, instituída pelo Decreto nº 11.766/2023, é um importante ponto de partida, devendo ser fortalecida e ampliada para todos os setores que possam contribuir para a democratização do acesso ao esporte.
Para que a intersetorialidade seja efetiva, é essencial que essas políticas estejam institucionalizadas, ou seja, incorporadas de forma est
ável e permanente aos planos de esporte e refletidas nos planos nacionais de educação, saúde, cultura, assistência social e dos direitos das pessoas com deficiência, entre outros.
Por fim, é fundamental compreender que a intersetorialidade não deve ocorrer de modo unilateral. A integração precisa ser um caminho de mão dupla, em que cada setor envolvido seja capaz de impactar e ser impactado, contribuindo para a construção de territórios mais ativos, saudáveis, inclusivos e sustentáveis.
— CRIAR COMITÊ INTERMINISTERIAL DE ESPORTE E ATIVIDADE FÍSICA
Para que a transversalidade integradora se traduza em ações concretas, é necessário instituir mecanismos estáveis de articulação entre os diferentes setores de governo. O esporte depende de políticas que atravessam áreas diversas. Sem um canal institucional permanente de diálogo, prevalece a lógica fragmentada: o setor esportivo solicita apoio das demais áreas, mas não encontra instâncias formais onde as decisões possam ser compartilhadas e coordenadas.
Nesse sentido, recomenda-se a criação do Comitê Interministerial de Esporte e Atividade Física (CIEAF), instância responsável por alinhar políticas, planos e metas intersetoriais, além de articular programas e orçamentos de diferentes ministérios. Experiências semelhantes já foram bem-sucedidas em outros campos — como o Comitê de Alimentação e Nutrição (CAISAN) e o Comitê Interministerial sobre Mudança do Clima — e demonstram a relevância desse arranjo para garantir prioridade política e consistência técnica. Recomenda-se a criação de comitês intersetoriais nos níveis federal, estadual e municipal, com a responsabilidade de articular planos, metas e ações conjuntas.
O CIEAF deve contar com a participação de ministérios estratégicos – entre outros como Esporte, Educação, Saúde, Assistência Social, Cultura, Trabalho, Cidades, Transportes/Mobilidade, Direitos Humanos e Segurança Pública – além de assegurar diálogo com estados, municípios e sociedade civil. Sua atuação deve ser pautada pela coordenação de metas comuns, pelo monitoramento integrado de resultados e pela promoção de territórios mais ativos, saudáveis, inclusivos e seguros.
É imprescindível que o Ministério do Esporte assuma seu papel de coordenador do Sinesp, contribuindo para políticas de alcance nacional implementadas localmente. À semelhança de outras áreas, como saúde e assistência social, a construção de comissões intergestores bipartite (estados e municípios) e tripartite (União, estados e municípios) e de conselhos de participação é fundamental para definir planos de ação mais efetivos para o esporte com o apoio da União.
A criação desses mecanismos formais de diálogo e pactuação entre os entes federados possibilitará a adoção de políticas nacionais e regionais mais alinhadas às necessidades das gestões locais, com definição de metas, prazos e adaptações de acordo com as especificidades locais – afinal, há diferenças não só sociais e geográficas, mas também de maturidade da política esportiva entre os governos subnacionais.
Feita essa definição, devem ser criados indicadores de acompanhamento e resultados, combinados com modelos de revisão e aperfeiçoamento. A boa execução das políticas depende da existência de instrumentos de indução que promovam boas práticas e ofereçam formas de apoio, vindas do ministério ou das secretarias estaduais de Esporte, para os municípios com baixa capacidade institucional de implementação da política esportiva.
Nesse sentido, é fundamental estruturar e disponibilizar um conjunto de diretrizes e instrumentos que contenham formatos de indução e apoio, identificando aqueles que podem ser implementados ao longo do tempo e segundo as condições orçamentárias de cada localidade.
A União também deve exercer seu papel de coordenação por meio de dois mecanismos: o apoio técnico e a indução financeira. A contemplação de recursos federais, como os do Fundo Nacional do Esporte, aos estados e municípios ocorreria com base na adoção de um conjunto de políticas definidas pelo Ministério do Esporte, bem como somente com a adesão dos entes subnacionais ao Sinesp e a inserção de informações no SNIIE.