Em função das bases estabelecidas pela governança, por meio dos marcos institucionais, as instâncias de participação e os mecanismos de coordenação intergovernamental, a gestão atua como o elo entre a formulação normativa e a implementação efetiva das políticas nos territórios.
Compreende-se a gestão do esporte como um campo técnico e interdisciplinar destinado à organização de estruturas e recursos que garantam a oferta qualificada de esporte para a população (Chalip, 2006; Chelladurai, 2013). Esse campo se estrutura com base no conhecimento técnico orientado à prática, na atuação de profissionais qualificados em formação, pesquisa e implementação, nas instituições dedicadas ao avanço da área, no desenvolvimento profissional e na credibilidade do setor (Pitts, 2001).
No Brasil, esse campo enfrenta desafios estruturais como a fragilidade na produção de conhecimento teórico e conceitual e o baixo suporte aos recursos humanos destinados à investigação científica. Há lacunas significativas na formação específica em gestão do esporte, com escassez de cursos regulares e assimetrias regionais tanto na produção acadêmica como na oferta de qualificação profissional (Bastos, 2016). Esses problemas comprometem a institucionalização do esporte como uma política pública sustentável e estruturante no país.
Superar essa realidade exige um conjunto de políticas públicas integradas e estruturadas, que incluem a implementação do Plano Nacional do Esporte e suas derivações subnacionais, a qualificação e o fortalecimento dos profissionais do setor, além do fomento da cultura de pesquisa, monitoramento e avaliação no campo do esporte.
O Plano Nacional do Esporte representa a orientação programática para a implementação do Sistema Nacional do Esporte (Sinesp), ainda em fase de implantação, e deve retratar uma visão do esporte que queremos para o Brasil, indicando em objetivos e metas claras o que deve ser feito e em qual prazo. O processo de construção desse plano deve ser ágil e efetivo em responder às demandas do setor e, ao mesmo tempo, considerar uma visão de planejamento de médio e longo prazo com metas exequíveis, juntamente com a mobilização, de modo a garantir a democratização do acesso ao esporte.
As primeiras questões a enfrentar para fortalecer os recursos humanos no campo das políticas de esporte são:
Essa política deve ter como foco três públicos estratégicos:
Educadores, técnicos, agentes comunitários e lideranças locais que atuam diretamente na formação esportiva e nas práticas de esporte para toda a vida, em escolas, centros esportivos e projetos sociais.
Estruturação de equipes gestoras capacitadas e criação de condições de profissionalização da gestão esportiva nos estados e municípios. A gestão da política pública de esporte exige capacidades e habilidades pessoais, administrativas e gerenciais, bem como conhecimentos sobre o campo esportivo, com suas especificidades em termos culturais e sociais (Amaral, Moraes, Bastos, 2024). Por isso, é fundamental compor equipes gestoras qualificadas nos diferentes níveis da administração pública, especialmente nas secretarias estaduais e municipais. A formação de equipes com capacidade de liderança, articulação institucional e conhecimento das políticas públicas esportivas é essencial para garantir a formulação e a implementação de ações efetivas e sustentáveis no campo do esporte. Também é preciso garantir o desenvolvimento contínuo e a valorização dos profissionais que atuam na gestão das políticas públicas do esporte, com planos estruturados de carreira, criando estratégias para favorecer a continuidade das políticas de Estado.
As capacitações também devem contemplar os princípios do esporte seguro, assegurando ambientes física e psicologicamente saudáveis, com medidas proativas de prevenção e resposta adequada a situações de assédio, abuso ou qualquer forma de violência. Ações como cursos de formação continuada, oficinas práticas e parcerias com universidades devem ser estimuladas para garantir um atendimento qualificado, acessível e comprometido com os direitos de todos os participantes.
As etapas de monitoramento e avaliação da implementação das políticas públicas esportivas são fundamentais para assegurar sua efetividade, ou seja, sua capacidade de alcançar os resultados previstos e gerar impactos positivos junto ao público-alvo. Avaliar significa entender se a política consegue enfrentar o problema público para o qual foi criada, se os objetivos estão sendo atingidos e se há aderência às demandas da população beneficiária. Mais do que criar políticas, o esforço deve estar direcionado para articular, consolidar e fortalecer as iniciativas já existentes. Por isso, práticas consistentes de monitoramento e avaliação tornam-se decisivas para fortalecer as políticas existentes, permitindo ajustes, realocação de recursos e redesenho de estratégias de implementação.
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Criar o Sistema Nacional de Informações e Indicadores Esportivos
A criação do Sistema Nacional de Informações e Indicadores Esportivos (SNIIE) deve ser feita conforme o previsto na LGE. Essa base de dados deve ter como objetivo identificar as várias formas de participação dos diferentes grupos populacionais com o esporte, de modo a subsidiar o monitoramento e a avaliação, a formulação e a implementação das políticas esportivas. Além de incorporar informações fornecidas por estados e municípios, como requisito para aderirem ao Sinesp e poderem receber recursos públicos federais, é fundamental que o SNIIE integre dados e informações produzidas por outros Ministérios e órgãos vinculados à administração pública, como aqueles das áreas de Saúde, Planejamento e Educação.
Iniciativas acadêmicas, como a conduzida pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), representam uma contribuição para mobilizar secretarias estaduais e municipais e articular redes de coleta de dados, e são experiências de valor para sensibilizar atores locais, qualificar metodologias e ampliar a cultura de uso de evidências no setor esportivo. É necessário reconhecer que o SNIIE, previsto na LGE, deve constituir-se como um sistema governamental e oficial de estatísticas públicas, sob responsabilidade direta do Ministério do Esporte, com prerrogativas legais, sobretudo para garantir a obrigatoriedade da coleta e da consolidação dos dados.
Esse sistema deve incorporar e articular diferentes bases, inclusive aproveitando informações produzidas por pesquisas acadêmicas e por entidades esportivas, quando pertinente. O SNIIE deve, portanto, constituir um quadro geral de informações sobre a prática esportiva e sobre os fatores que limitam seu acesso, permitindo diagnósticos mais precisos, soluções adequadas e diferentes recursos sociodemográficos e territoriais, seja em nível federal, estadual ou municipal.
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Promover a inclusão da coleta de dados relacionados ao esporte em pesquisas existentes
É preciso garantir que pesquisas realizadas por outras instituições e órgãos públicos passem a coletar informações sobre a prática esportiva pelos grupos pesquisados. O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), por exemplo, deve coletar, entre outras, informações sobre quantos estudantes participam das aulas de educação física, e, caso não participem, os motivos, além de outras informações relacionadas às práticas esportivas na escola com dados desagregados por gênero, raça/etnia, classe e idade.
Também é necessário realizar o mapeamento das pessoas com deficiência no território local, identificando demandas, barreiras de acesso e potencialidades. Esse diagnóstico é fundamental para planejar ações assertivas, definir prioridades de investimento e garantir o alinhamento das políticas públicas às realidades regionais.
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Criar o Cadastro Nacional de Organizações Esportivas
A criação do Cadastro Nacional de Organizações Esportivas, bem como de seus correspondentes nos níveis estadual e municipal, é fundamental para a gestão entre entes federados e ações intersetoriais. Trata-se de uma plataforma para o levantamento de informações quantitativas periódicas e outras avaliações qualitativas, com papel importante na identificação das entidades que já entregam esporte para a população – como organizações sociais – e que muitas vezes são “invisíveis” aos olhos do poder público. O cadastro, portanto, permitirá o mapeamento da oferta de esporte pelo terceiro setor, em articulação com a gestão pública. Outro papel importante desse mecanismo será viabilizar o acesso aos recursos públicos, principalmente os provenientes dos fundos de esporte, apenas às entidades que estiverem inscritas no cadastro.
Devidamente preenchido, o documento poderá servir de instrumento para a eleição e composição das entidades participantes de conselhos de esporte (federal, estaduais ou municipais), tornando-os mais representativos do setor. É importante ressaltar que essa iniciativa não pode ter o papel de burocratizar ou impedir o funcionamento de instituições menos estruturadas, mas é de extrema importância para organizar a oferta do esporte nos territórios, especialmente no caso das organizações que já atuam para garantir acessibilidade, equidade, diversidade e inclusão.
A gestão de espaços e infraestruturas esportivas deve passar por processos de planejamento, concepção, manutenção e monitoramento, incluindo atividades como diagnóstico territorial, programação de uso, gestão de pessoas, controle de qualidade, execução de reparos e obras, avaliação contínua de desempenho e impacto social (Amaral, 2019), além da avaliação da oferta de infraestruturas esportivas seguras e acolhedoras para meninas e mulheres, que possuam boa iluminação e vestiários adequados, por exemplo.
De acordo com a literatura internacional, o primeiro passo para fazer uma gestão efetiva dos equipamentos esportivos é ter um mapeamento do que há disponível no território, com informações como distribuição, descrição e quantidade. No entanto, o Brasil ainda não possui um censo que sirva de base para a tomada de decisão informada pelos gestores públicos sobre o panorama de seu estado ou município (Amaral, 2019). O entendimento qualificado das infraestruturas esportivas é fundamental para a implementação de políticas públicas efetivas que resultem no aumento da prática de atividade física e em uma vida mais ativa da população (Riva; Gauvin; Richard, 2007).
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Criar um mapeamento de espaços e infraestruturas esportivas
A criação de um censo das infraestruturas esportivas visa apoiar a melhoria do desenvolvimento e da implementação de políticas públicas para o acesso da população brasileira ao esporte. Esse mapeamento deve considerar primordialmente informações sobre a distribuição das instalações esportivas, mas dados sobre caracterização da infraestrutura, qualidade sob a ótica de usuários e funcionários, sustentabilidade ambiental, gestão financeira e impacto nos territórios também são de extrema importância para apoiar a tomada de decisão informada pelos gestores públicos e pesquisadores do campo (Amaral, 2019).
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Promover a participação social e as redes locais
A promoção de redes locais de parcerias é essencial para garantir o uso eficiente e regular dos espaços públicos voltados à prática de esporte. O Decreto no 11.766/2023, que institui a Rede de Desenvolvimento do Esporte, define as redes locais como o conjunto de equipamentos e atores que se articulam para promover práticas esportivas nos níveis de formação esportiva, esporte para toda a vida e excelência esportiva.
Para que a gestão em rede funcione, é necessário mapear os espaços, recursos humanos e materiais existentes, os eixos atendidos, a quantidade de vagas ofertadas e preenchidas, as fontes de financiamento, as parcerias envolvidas, a liderança local e a programação de atividades. Esses espaços incluem escolas, praças, quadras, centros esportivos, ginásios, universidades, organizações da sociedade civil e institutos federais e estaduais.
Uma gestão eficiente deve prever a criação de conselhos gestores locais com articulação intersetorial, em diálogo com conselhos como os de educação, de saúde, de assistência social, da juventude, da mulher, da pessoa com deficiência e tutelar. O uso efetivo desses espaços depende de projetos e programas com profissionais qualificados e oferta regular, diversificada e inclusiva.
Atuar em redes locais é valorizar o território, identificar parceiros e organizar ações com eles para aproveitar ao máximo o que já está construído e criar oportunidades.