O financiamento das políticas de esporte no Brasil ainda é instável, fragmentado e desarticulado. Diferentemente de outras áreas sociais, como saúde e educação, o esporte não tem vinculação orçamentária nem um sistema federativo estruturado. Os recursos existentes são pulverizados entre fontes orçamentárias e extraorçamentárias, com forte dependência de emendas parlamentares e pouca coordenação entre os entes federados. Isso resulta em ações desconexas, dificuldade de mensuração de resultados e ausência de estratégias sistêmicas de longo prazo.
Embora o país invista mais de R$ 13 bilhões anuais nas três esferas de governo, grande parte desses recursos é executada sem critérios claros e sem transparência sobre seu destino e sua forma de aplicação. A maior parcela do investimento federal concentra-se na excelência esportiva, enquanto a formação esportiva e o esporte para toda a vida seguem subfinanciados. Ao mesmo tempo, os recursos captados por meio da Lei de Incentivo ao Esporte (Lei nº 11.438/2006) têm potencial multiplicador, mas carecem de capilaridade e alinhamento com uma política nacional.
Para reverter esse cenário e garantir o direito de todas as pessoas ao esporte, é necessário organizar o financiamento com base em diretrizes nacionais, fortalecer instrumentos como fundos públicos, aprimorar o uso de incentivos fiscais e integrar as diversas fontes de financiamento em torno de metas comuns. A seguir, apresentam-se propostas que visam estruturar, ampliar e tornar o financiamento das políticas esportivas no país mais eficiente e estratégico.
A criação dos fundos de esporte nas esferas federal, estadual e municipal é fundamental para o fortalecimento e a estruturação das fontes de financiamento das políticas de esporte no país. Para isso, será importante a definição de um marco regulatório sobre a composição e distribuição dos recursos dos fundos de esporte nas diferentes esferas governamentais, de acordo com os níveis de prática. Para sustentar a implementação de políticas públicas, programas e ações voltadas à universalização do acesso ao esporte, os fundos devem garantir que seus recursos sejam direcionados exclusivamente à formação esportiva e ao esporte para toda a vida, notadamente nos âmbitos estadual e municipal.
Além disso, as estruturas e os mecanismos de funcionamento dos fundos nacional, estaduais e municipais têm de assegurar a efetiva participação social.
As políticas de incentivo fiscal ao esporte no país representam um importante mecanismo para fomentar todo um ecossistema que garante que o esporte chegue a pessoas que, de outra forma, não teriam acesso a ele, por meio da rede de organizações sociais esportivas. Estas políticas ainda são frágeis institucionalmente e precisam de aprimoramentos e fortalecimento para atingir seu pleno potencial.
Embora os mecanismos de incentivo ao esporte representem ferramentas importantes para ampliar a participação da sociedade civil na execução de projetos esportivos, ainda existem barreiras de acesso para organizações de menor porte. Ajustes regulatórios, como a simplificação da documentação exigida para iniciativas de pequeno porte e a oferta de assessoria técnica para a elaboração e gestão de projetos, podem contribuir para tornar a política mais democrática e descentralizada.
Em nível federal, é fundamental que a Lei de Incentivo ao Esporte se torne permanente e tenha mais recursos e infraestrutura para garantir tramitações de forma ágil e confiável. Em nível estadual, será necessário repensar a forma de fomento, pois as leis de incentivo com base no ICMS deixarão de existir a partir de 2033, em virtude da aprovação da Emenda Constitucional que altera a tributação sobre o consumo e extingue tanto o ICMS quanto o ISS, criando em seu lugar o IBS.
Para todas elas, é essencial que haja melhorias nos processos de gestão, garantindo sustentabilidade e previsibilidade jurídica e financeira aos proponentes e ampliando a capacidade de captação de recursos junto ao setor privado. Essas medidas incluem, por exemplo, a devida transparência em relação às etapas de tramitação dos projetos e critérios de aprovação.
As emendas parlamentares já representam mais da metade dos recursos do Ministério do Esporte, mas sua aplicação costuma ser fragmentada e desalinhada da política nacional. Frequentemente, priorizam obras ou projetos específicos sem critérios técnicos ou visão estratégica e sistêmica. Para qualificar esse investimento, é necessário vincular a destinação das emendas a diretrizes nacionais e ações que ampliem o acesso ao esporte de maneira estruturada.
Além disso, é essencial que os editais de fomento – públicos ou por incentivo fiscal – adotem critérios claros de equidade territorial, diversidade de modalidades e inclusão social. Isso evitará a concentração de recursos em regiões favorecidas e garantirá que territórios em situação de vulnerabilidade socioeconômica e populações periféricas, rurais e tradicionais também sejam contemplados.
Essa convergência ampliará o impacto dos recursos públicos, fortalecerá o ecossistema esportivo nacional e promoverá uma distribuição mais justa e estratégica das oportunidades esportivas no país.
É urgente padronizar os critérios para a classificação orçamentária das despesas em esporte, diferenciando claramente as categorias de gasto com esporte comunitário, escolar, de alto rendimento, entre outras. Hoje, a ausência de uma definição normativa nacional faz com que estados e municípios registrem despesas de maneira desigual e inconsistente, dificultando a participação e o controle social, o planejamento integrado e a avaliação do impacto das políticas públicas.
Essa normatização deve ser construída com a participação dos entes federados e da sociedade civil, por meio de consensos sobre os objetivos estratégicos do esporte no Brasil. Além de organizar a contabilidade pública, a medida permitirá identificar quanto realmente se investe em esporte por nível de prática, público atendido e tipo de ação. Também será fundamental para alinhar os recursos a planos de ação pactuados nos âmbitos nacional, estadual e municipal, como já ocorre em áreas como saúde e assistência social. Essa clareza orçamentária é condição básica para avançar em uma política esportiva articulada, transparente e orientada a resultados.
A falta de padronização compromete a transparência, impede comparações e prejudica a formulação de políticas baseadas em evidências.
A criação de um sistema nacional de dados que registre, organize e divulgue periodicamente as receitas e despesas com políticas de esporte é essencial para garantir transparência, planejamento estratégico e controle social. Esse sistema deve possibilitar a consolidação dos investimentos realizados pelas três esferas de governo e identificar os tipos de ações financiadas, os territórios beneficiados e os resultados alcançados. A prática, já consolidada em áreas como saúde e educação, precisa ser incorporada de modo estruturado ao campo esportivo.
Essa medida está diretamente alinhada ao que prevê a LGE, que institui o Sistema Nacional de Informações e Indicadores Esportivos (SNIIE) como ferramenta fundamental para subsidiar a formulação, implementação e avaliação das políticas públicas. O sistema deve integrar dados orçamentários e financeiros com indicadores de participação e impacto, contribuindo para uma governança mais qualificada e baseada em evidências. Além disso, a disponibilização pública desses dados fortalecerá o diálogo com a sociedade e permitirá maior accountability sobre o uso dos recursos públicos no esporte.